segunda-feira, 5 de abril de 2010

Proximidade sem intimidade é inevitavelmente destrutivo.


Mudei de endereço em julho do ano passado!
Morava em um dos bairros mais famosos do mundo e do qual só guardo saudades do mar. Mais pela sensação de liberdade que o mar me traz do que pela praia propriamente dita. Ao contrário do restante dos cariocas, não sou muito chegado a praia.


Talvez, se ao invés de areia a praia fosse azulejada e a água doce, gostasse mais...resquícios da serra onde nasci e das cachoeiras onde aprendi a nadar!


Mas estou fugindo do assunto...

Bom, me mudei para um bairro mais provinciano, onde esperava um melhor relacionamento entre os vizinhos, já que em Copacabana me sentia em uma Torre de Babel...
Lúgubre engano... 



Tentei sair pelos quarteirões arborizados do meu novo bairro, espalhando cumprimentos e sorrisos, só recebi de volta, quando recebi, resmungos guturais! 
Até em morador de rua tive que dar uns cascudos, sei que parece crueldade, mas o meliante estava fazendo sinais feios para umas menininhas em um ponto de ônibus!

No sábado passado voltava de um evento perto da minha residência, juntamente com meu caçula e minha mulher, entramos no elevador e eu mais uma vez tentei ser educado e afetuoso.
Uma velhota e um carrancudo de meia idade me deixaram aborrecido... 
Como pode um ser humano ignorar outro em um espaço fechado de 5m²?
Mas eu fui ignorado, apesar dos meus mais de 90 Kg e quase 1,80...

Depois de tomar meu banho, deitei-me e comecei a xingar o tiozinho e a velhota, em pensamento...
Foi quando me dei conta que não conheço sequer o sindico do meu prédio.
Nenhum "amigo" em mais de meio ano!

O que está acontecendo conosco?
Antropólogos, psiquiatras e psicólogos nos alertam de forma quase unânime: "Proximidade sem intimidade é inevitavelmente destrutivo."



Estamos convivendo cada vez mais perto uns dos outros, nos coletivos apertados, nos shoppings lotados, mas estamos cada vez mais distantes do nosso"próximo"!
As conversas viraram monólogos, os assuntos, futilidades!
A TV e outras mídias nos entopem de informação sem nenhuma qualidade.
Viramos meros repetidores do que ouvimos, papagaios pós-modernos, infelizes e confusos!
Banalidades assumem o lugar da tradição, da família, da amizade...
Não há mais espaço para nobreza, princípios, honra, patriotismo ou lealdade!
Paradigmas estão sendo quebrados sem que outros sejam edificados!



Devo confessar, com receio, que tenho mais amigos virtuais do que no meu dia-a-dia...

Nossos olhos estão embaçados para o que está ao nosso lado enquanto tentamos enxergar o lado escuro da lua!

Lembrei-me então, de um texto de Rubem Braga, considerado por muitos o maior cronista brasileiro desde Machado de Assis.



E dedico à velhota, ao carrancudo e a todos meus vizinhos que embarcaram na onda do "quanto mais distante melhor"...

Recado ao Senhor 903

   "Vizinho,

    Quem fala aqui é o homem do 1003. 

Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. 
Recebi depois a sua própria visita pessoal - devia ser meia-noite - e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polícia. 
Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. 
Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros.

Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlântico, ao Norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 - que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua.

Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. 
Prometo. Quem vier à minha casa (perdão; ao meu número) será convidado a se retirar às 21 :45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8:15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. 
Nossa vida, vizinho, está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas - e prometo silêncio.

    ...Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: "Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou". E o outro respondesse: "Entra, vizinho, e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela".

    E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz."

Quem também pensou em próximos "mais próximos" foi Jesus, há mais de 2.000 anos Ele disse:

"Amarás o teu próximo como a ti mesmo." (Mateus 22:37)

Cada  dia que passa me sinto mais distante do alvo...



Um abraço amigo(a)!

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Um comentário:

Cláu Gimenes disse...

Nossa, senti isso quando morava em SP. Um condomínio com 400 famílias e a gente vivia ilhado! Ninguém cumprimentava, nem no elevador! Eu achava aquilo tudo muito triste, mudei para o interior achando que seria melhor, que seria fácil estar próxima das pessoas, fazer amigos, mas a coisa não é muito diferente, não!
Estamos vivendo em meio de pessoas que vivem em seus próprios mundos, estamos 'perto dos olhos, mas longe dos corações'!

Talvez esse seja o ônus do chamado progresso!!!

Tenham uma excelente semana!

Cláu

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